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‘Cuidar do solo é cuidar do nosso futuro’, diz brasileiro na maior produtora global de fertilizante

Há três anos o brasileiro Leonardus Vergütz viu sua carreira ser impulsionada com a guerra entre Ucrânia e Rússia , dois países que, por causa de sanções advindas do conflito, deixaram de exportar fertilizantes , um nutriente importante para o crescimento não só de plantas, mas de várias economias que tem o agronegócio como um motor de crescimento, como o Brasil.

Com formação em agronomia, e com diferentes especializações internacionais em agronegócio passando por universidades como Stanford, Columbia eHarvard, Vergütz agregou conhecimento internacional em nutrição e saúde do solo. Essa especialidade o levou até Marrocos, país que se tornou peça-chave para o agronegócio internacional por ter a maior reserva de fosfato do mundo, que é operada desde 1920 pela empresa pública OCP Group.

“Eu era professor da Universidade Federal de Viçosa e vim para o Marrocos lecionar a matéria ‘ciência do solo’ na Universidade Politécnica Mohammed VI (UM6P)”, afirma o brasileiro que depois de três anos como professor, foi promovido a diretor executivo do OCP Group, que é a fundadora da universidade UM6P.

Como cientista e filho de agricultores do Rio Grande do Sul (descentes de alemães), Vergütz conhecia bem a agricultura tropical e a importância de estudar o nutriente em diferentes partes do mundo.

“Minha família toda é de agricultores. Foram parte dos gaúchos que saíram do Sul para abrir as terras do Cerrado brasileiro”, diz o cientista, que conta que os pais hoje são produtores de café em Minas Gerais, sua terra natal. “O agro está no sangue”.

Em entrevista à EXAME, Leonardus Vergütz, diretor cientifício da OCP Group, fala sobre a origem da empresa centenária ‘OCP Group’, as oportunidades de uma carreira internacional que já está ‘dando frutos’ para o Brasil e as expectativas com o agronegócio global.

Uma empresa marroquina de 100 anos

Durante o governo do monarca Sultão Moulay Youssef, em 1921, o governo de Marrocos investiu na criação do OCP (Office Chérifien des Phosphates), uma empresa pública focada em explorar as vastas reservas de fosfato do país, nutriente que ajuda a promover crescimento de plantas – e consequentemente da economia do país africano.

Após um século de história, a companhia se consolida como a maior produtora mundial de fertilizantes fosfatados e líder em nutrição de plantas.

O trabalho de mineração se estendeu em outras minas e unidades de processamento, que transformam o fosfato em fertilizantes e ingredientes para nutrição animal, produtos hoje exportados para mais de 160 países. O grupo também criou a Universidade Politécnica Mohammed VI, em 2013.

Com filiais no Brasil, América do Norte e Índia, além da sede em Marrocos, a companhia tem cerca de 30% do market share global de fosfato, que a ajudou a chegar em um faturamento de US$ 9,8 bilhões em 2024 globalmente, crescendo 9% em relação ao ano anterior.

De Marrocos para o mundo: o brasileiro que lidera pesquisas e conexões

É nessa empresa centenária de Marrocos que Vergütz trabalha desde 2023. Depois de trabalhar como professor, liderando uma equipe de doutorandos entre 2019 e 2022 sobre o estudo da saúde do solo, o brasileiro recebeu uma proposta para sair da faculdade e trabalhar na empresa, na divisão chamada OCP Nutricrops – que se tornou o braço da OCP dedicado a fornecer nutrientes e soluções de saúde do solo e planta para agricultores no mundo todo.

Lá entrou como diretor de inovação e ficava entre o laboratório e a mina estudando a estratégias científicas para a OCP gerar fertilizantes fosfatados focados na saúde do solo e na nutrição da planta. A ideia era desenvolver soluções cada vez mais ESG.

Neste ano, o cientista brasileiro recebeu outra promoção como diretor técnico da OCP Group. Agora, como um dos profissionais C-Level, Vergütz saiu do laboratório e das minas para ajudar a implantar as soluções em parceria com outros países, como o Brasil, e instituições, como as Nações Unidas.

“Hoje estou no Brasil para conversar com a Embrapa sobre as relações que temos como os nossos pesquisadores. Na semana passada estava na França e na outra na Itália, mostrando a nossa estratégia para o mundo”, afirma.

O executivo afirma que o contrato com a Embrapa fortalece a cooperação entre Brasil e Marrocos e tem três objetivos principais:

  • Criar e transferir tecnologias avançadas;
  • Apoiar o desenvolvimento profissional de pesquisadores e estudantes; e
  • Disseminar as melhores práticas agrícolas entre os produtores rurais.

Além da Embrapa, outra parceria que Vergütz ajudou a estreitar com o Brasil foi com a Esalq/USP e a universidade UM6P.

“É um intercâmbio de técnicos, estudantes e cientistas. Atualmente, três doutorandos da UM6P (dois do Marrocos e um da Nigéria) estão passando um ano no Brasil, no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP”, diz o cientista brasileiro.

Carreira internacional: “Tem que estar aberto para o novo”

Trabalhar em outro país exige se adaptar a cultura e as exigências locais. Antes da pandemia, Vergütz lembra de alguns costumes no ambiente de trabalho. “Os costumes são parecidos com os do Brasil, eles, por exemplo, usam a comida para estimular relacionamentos, era comum ver todos reunidos na hora do almoço”.

Mas depois da pandemia, Vergütz conta que a cultura da empresa mudou um pouco. Hoje, o modelo de trabalho é híbrido, e mesmo tendo escritório dentro da universidade e na sede em Casablanca, não existe uma necessidade de estar presencial no escritório. “A flexibilidade nos ajuda a estar mais com a nossa família também, algo que a cultura árabe valoriza muito”.

Junto com a esposa e dois filhos, Vergütz conta que foi muito bem recebido, mesmo tendo religião e idioma diferente.

“Aqui falo em inglês com todos os profissionais, mesmo entendendo bem o francês. Também vou à igreja católica com a minha família. Eles abraçam e respeitam a diferença aqui”, diz o brasileiro que se sente muito seguro no país e vê os filhos se tornando poliglotas ainda na infância. “Meus filhos já falam inglês e estão aprendendo o francês e o árabe aos poucos. Para aproveitar os benefícios de uma carreira internacional é preciso estar aberto ao novo”, afirma.

Um cenário fértil para aliança entre Brasil e Marrocos

O PIB, tanto do Brasil quanto de Marrocos, depende de um bom resultado do agronegócio para avançar no mercado interno. No Brasil, o setor representa cerca de 25% do PIB . Já em Marrocos, a agricultura é responsável por 15% do PIB e emprega 40% da população.

“O Brasil é uma potência agrícola com grandes centros de pesquisa, como a Embrapa. Já o Marrocos, com sua posição geográfica estratégica e crescente investimento em novas universidades e centros de pesquisa, está se tornando um polo de inovação”, afirma Vergütz.

Mesmo com limitação hídrica em grande parte do país , além de ter as maiores reservas de fosfato do mundo, Marrocos se destaca no setor do agronegócio como o quarto maior produtor de tangerina e o terceiro maior produtor de azeitona do mundo.

“Por questões naturais, o fósforo é o nutriente mais limitante à produção vegetal em condições tropicais, como é o caso do Brasil”, afirma o cientista brasileiro que explica a dependência do Brasil com esse nutriente.

Enquanto o Brasil importa produtos como fertilizantes, tangerina e azeitona, Marrocos importa carne bovina de elevada qualidade, além de outros produtos e tecnologias agrícolas, ajudando o Brasil a crescer no setor.

“Pela proximidade, estabilidade e planos de longa duração, o Marrocos deve ser a porta de entrada para o Brasil na África, e o Brasil a porta de entrada do Marrocos na América do Sul. Existe muita sinergia a ser explorada entre Brasil e Marrocos”, diz Vergütz.

Brasil: um país que saiu de importador para potência agrícola – e tecnológica

A situação do solo agrícola no Brasil já foi mais preocupante. No passado, Vergütz explica que a baixa fertilidade natural dos solos brasileiros, particularmente no que se refere ao fósforo, fez com que eles tenham sido declarados como tendo pouca ou nenhuma aptidão agrícola.

“Aprender a utilizar os nutrientes nesses solos tropicais mudou o destino do Brasil, permitindo que ele saísse de uma condição de importador de alimentos até os anos 1970 e 1980 e se tornasse a potência agrícola sustentável que é hoje”, afirma o cientista.

Com a recente escassez de fertilizantes, agravada pela guerra entre Ucrânia e Rússia, o crescimento do agronegócio do Brasil, segundo Vergütz, promete ser cada vez mais focado em parcerias internacionais , tecnologia e na proteção do meio ambiente.

“A aliança de longa data entre Brasil e Marrocos deve se fortalecer ainda mais, por meio da evolução tecnológica e da troca de conhecimento. O objetivo é que possamos aumentar a eficiência de uso de fertilizantes e fazer com que os solos brasileiros sejam cada vez mais saudáveis e produtivos”, afirma o cientista brasileiro . “Afinal, cuidar do solo é cuidar do nosso futuro”.

Fonte: Confaeab